Durante a pandemia, Leticia Pinheiro, de 11 anos, sentiu falta de encontrar os amigos da escola e os vizinhos do condomínio onde mora, em Brasília, isolada que estava por causa da quarentena. Foi aí que sentiu, pela primeira vez, a necessidade de ter um celular.
Simone, sua mãe, nem terminou o comentário sobre consultar o orçamento ou ponderar se era mesmo o momento para isso porque Letícia logo apresentou os cálculos, o modelo que caberia em seu bolso e já sacou da mochila o valor necessário para pagá-lo.
O montante era parte do dinheiro que vinha juntando com a venda dos brigadeiros, roupas e objetos em seu bazar “Lojinha da Lelê”, inaugurado cinco anos antes.
A história da família Pinheiro ilustra um conceito fundamental na educação financeira de crianças e pré-adolescentes: não se recebe dinheiro de graça, mas mediante esforço e dedicação.
Como ressalta o guia digital Futuros Poupadores, publicado pela Abrapp em 2020, criar um bazar, vender doces ou artesanato, caminhar e cuidar de animais são exemplos de atividades empreendedoras que geram experiências de conquista. E são essas experiências que ajudam as crianças a compreender a importância de elas se empenharem para alcançar o que desejam.
“Não tive nem como negar o celular, pois ela já tinha os argumentos e o dinheiro. Apenas autorizei a compra”, comenta Simone, professora do Instituto Federal de Brasília (IFB).
Letícia conta que adquiriu o gosto por empreender aos seis anos, quando quis muito uma boneca, mas colocou na cabeça que conquistaria por si mesma o objeto de desejo. “Eu quis provar para as pessoas que por mais que eu fosse criança eu conseguiria conquistar sozinha as coisas que eu queria”.
Clientes no condomínio
Inicialmente ela fez o brigadeiro, “a única coisa que sabia fazer”. Para arrecadar mais rapidamente, ela montou a Lojinha da Lelê, uma espécie de brechó com roupas, calçados e artesanatos em uma feira do condomínio onde mora, no Jardim Botânico.
Vendeu poucas roupas “porque as dos outros tinham mais qualidade”, segundo conta, consciente. “Daí voltei para o brigadeiro, que todo mundo gostou”. Este ano, ela mudou o nome do empreendimento para Quitutes da Lelê.

O início da lojinha quando Letícia tinha seis anos: uma espécie de brechó com roupas, calçados e artesanatos em uma feira do condomínio onde mora, em Brasília
Simone salienta que a venda dos brigadeiros é “uma brincadeira ainda, ela faz quando está a fim”. Mas considera importante estimular porque, na prática, a filha consegue entender noções básicas das finanças, como custo, receita e lucro.
Letícia, inclusive, agrega valor aos seus docinhos. “Eles são diferenciados porque são artesanais e têm recheio de frutas orgânicas do meu quintal”, diz.
Consciência e atitude
As conversas sobre o equilíbrio das finanças sempre foram constantes na casa da família e vão além do uso do dinheiro. “Sempre achei importante a Letícia entender o valor das coisas, e que tudo tem um preço. Fazê-la entender sobre o equilíbrio entre quanto se recebe e quanto se gasta”.
A compra do celular é um exemplo. Letícia comprou o modelo que coube nas economias que tinha feito. A mochila nova só chega quando realmente é necessário trocar.
Letícia cresceu assistindo Simone e Tom, seu pai, criando alternativas econômicas e sustentáveis para a vida doméstica.
“Sempre fiz questão de trabalhar isso com a Leticia, para que as coisas não fossem tão descartáveis. Não se trata só de conversa. É uma questão de atitude. Somos assim em casa. Ela cresceu vendo essa atitude”, reforça a professora.
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